Na mesma toada, a indústria dos jogos para consoles dedicados, mesmo quando orientada para experiências single-player, acumulou recordes e grandes sucessos diante de um calendário mais incerto de publicações. O crescimento do Gamepass da Microsoft, o retumbante sucesso de Animal Crossing: New Horizons e o mais que sólido desempenho de vendas de títulos como The Last of Us part II e Ghost of Tsushima, apontam para um fortalecimento da atividade considerando um escopo ainda mais geral. No Brasil, as transações financeiras realizadas nas principais plataformas cresceram 140% em 2020, na comparação com 2019. Ao olharmos para as práticas nos dispositivos móveis, os valores impressionam; é esperada para 2021 uma movimentação de 120 bilhões de dólares referentes aos gastos de jogadores com jogos eletrônicos, de acordo com a App Annie. Além disso, 62% de toda a renda gerada em transações na App Store vem da área de jogos. No YouTube, a área dedicada aos videogames obteve um grande crescimento no ano passado, gerando 100 bilhões de horas de conteúdo assistido na plataforma. Os cinco jogos mais acompanhados foram: Minecraft (201 bilhões de views), Roblox (75 bilhões), Free Fire (72 bilhões), Grand Theft Auto (70 bilhões) e Fortnite (67 bilhões).
Qual o real impacto da pandemia na indústria dos videogames?
A pandemia do novo coronavírus continua a ser uma realidade contundente, especialmente no Brasil, e as atividades estão longe do considerado normal nos períodos anteriores. Enquanto cerca de 80% da população japonesa se diz contrária aos jogos olímpicos acontecerem em 2021, normalizamos uma taxa de mortes acima dos 2 mil óbitos diários em nosso país. O real impacto do ciclo pandêmico ainda será analisado de forma mais apurada nos próximos anos, e consequentemente sua relação com indústrias e atividades culturais específicas. Mas já existem alguns estudos e análises apontando para tal impacto. O relatório feito pela Unity, empresa de plataformas e motores gráficos para criação de jogos, animações, etc., aponta para um aumento de 46% de usuários diários ativos nos games HD (através de streaming, PCs ou consoles dedicados) e 17% de usuários em dispositivos móveis. O mesmo relatório aponta para um aumento de 24% na arrecadação através de micro-transações, e também para um crescimento sem precedentes no número de propagandas de video jogos para celulares e tablets: nas semanas seguintes ao 8 de março de 2020, houve um aumento de 57%. Os números são parrudos também para as três grandes do mercado de consoles. O serviço Game Pass pulou de 10 milhões de assinantes em abril de 2020 para 18 milhões em janeiro de 2021. Em relatório fiscal do período entre abril de 2020 e março de 2021, a Nintendo divulgou um aumento de cerca de 37% nas vendas de consoles e 36% nas vendas de softwares. Animal Crossing: New Horizons vendeu cerca de 32 milhões de cópias até aqui, das quais 11 milhões ocorreram ainda no período fiscal de 2019 até 2020, computando dias de venda apenas. O relatório anual da Sony também apontou para um ano de recordes na divisão do PlayStation, com uma arrecadação de cerca de 24 bilhões de dólares no período. O número de assinantes do serviço PlayStation Plus obteve um crescimento de 15%. O lançamento do PlayStation 5 também obteve alguns recordes, como o de console da empresa mais rapidamente vendido nos Estados Unidos. Se do ponto de vista dos negócios as coisas vão bem mesmo em meio ao caos, o impacto em relação aos trabalhadores dos videogames ainda será melhor examinado e investigado ao longo dos anos. Em uma indústria assolada por más práticas de trabalho e gerenciamento, indo de ambientes de assédio com conivência de grandes executivos até os mais divulgados e múltiplos casos de crunch no desenvolvimento, alguns indicadores já começam a aparecer. Em recente pesquisa com cerca de 2500 profissionais da indústria realizada pela GDC (Game Developers Conference), quase 40% não notaram grandes diferenças em suas práticas de trabalho. Mesmo trabalhando de casa os prazos continuam, assim como a necessidade de trabalhar horas extras. Cabe ressaltar que tal estudo engloba também desenvolvedores independentes, freelancers ou mesmo estagiários, e que o impacto laboral nos grandes estúdios muito provavelmente virá a ser melhor explorado em reportagens futuras de jornalistas conectados à indústria como, por exemplo, Jason Schreier.
Minecraft, Free Fire, Fortnite e o crescimento dos que nunca foram pequenos
Os dados recolhidos e apresentados até aqui deixam claro o colossal crescimento da indústria, e é natural considerar que os jogos populares antes da pandemia do novo coronavírus também obtiveram um incremento no número de jogadores e, portanto, receita. Minecraft continua sendo o dínamo dos canais do YouTube, e o número de usuários ativos também viu um incremento substancial. Entre 2019 e 2021 houve um salto de 91 para 140 milhões, com uma média de 130 milhões de jogadores a cada mês em 2020. PUBG mobile e Free Fire foram os Battle Royale para dispositivos móveis mais rentáveis do primeiro trimestre de 2021. Impulsionado pela sua versão publicada na China, Game For Peace, PUBG arrecadou 741 milhões de dólares, enquanto Free Fire, em crescimento, chegou aos 255 milhões. Abrangente nas periferias brasileiras e adotado como hobby por famosos MCs de Funk, Free Fire tem se mostrado um fenômeno no Brasil, tendo sua liga reformulada no país em 2020 em um movimento de consolidação do jogo como eSport, tanto aqui quanto ao redor do globo. Fenômeno cultural, Fortnite tem recebido conteúdo de grandes nomes da cultura pop e até mesmo do esporte: Neymar recentemente foi tema, e o próximo passo vem a partir de conteúdo da liga americana de basquete, a NBA. O evento de fechamento da quinta temporada viu mais de 15 milhões de usuários ativos, e a conexão com nomes e marcas tão grandes no mundo apontam para uma grande arrecadação; já parcialmente confirmada, inclusive, a partir de documentação apresentada no âmbito da contenda entre Epic e Apple. Publicado em 2015 no mercado Chinês, Honor of Kings é o jogo mais popular do mundo, pelo menos em número de usuários ativos. Criado como uma espécie de versão não oficial de League of Legends para dispositivos móveis, o título se popularizou no país. No ano passado o jogo arrecadou 2.6 bilhões de dólares a partir de transações dentro do próprio aplicativo. Grand Theft Auto, por sua vez, continua surpreendendo. Enquanto GTA V vendeu mais 10 milhões de cópias desde maio do ano passado, sua contraparte Online aumentou em 28% a sua receita, gerando o melhor ano do jogo desde o lançamento. Houve espaço para os servidores comuns, mas também para aqueles dedicados ao Role Play (espaço de interpretação de papéis). Ocorreram, inclusive, diversos eventos durante a pandemia, chegando até mesmo em celebrações de Carnaval.
Roblox e Among Us – o boom de jogos “antigos”
Querido entre crianças e adolescentes, Roblox passa ou despercebido, ou como um lançamento recente para os desavisados, dado sua crescente popularização no último ciclo. Trata-se, entretanto, de um título publicado em 2006. Recebendo constantes atualizações ao longo dos anos, a plataforma de criações passou por um profícuo momento a partir da pandemia. Com um novo sistema de hangout publicado em julho de 2020 e um aumento no número de jogadores, o software que se pretende ser mais uma central de experiências do que um jogo propriamente dito, também obteve recordes, além de mais expressão no cenário, com um crescimento de 82% na arrecadação. Focado nas criações de jogos dos usuários, Roblox foi o segundo game mais assistido no YouTube em 2020, além de ter figurado em momentos de grande exposição, como quando um simulador do Big Brother Brasil dentro da plataforma atingiu 20 milhões de visitas. O sucesso de jogos de criação nas plataformas de streaming ainda levanta a questão do gameplay emergente como aquele gerador de mais interesse dos espectadores: Minecraft e Roblox tomam a dianteira, seguidos por títulos conectados ao espectro da competição e de sistemas de jogo mais abertos. Outro “sleeper hit” bastante lembrado durante a pandemia do COVID-19 é Among Us. Não tão popular quanto alguns outros títulos citados aqui, o jogo de engabelação de adversários e detecção de impostores foi abraçado em 2020, indo, por exemplo, de 6 mil usuários ativos na Steam em abril de 2020 para 438 mil em outubro do mesmo ano na plataforma. Publicado em 2018, o game obteve sua maior popularidade apenas no segundo semestre de 2020, durante a pandemia. Forma eletrônica de jogos analógicos, o título conseguiu interessar muita gente e servir como uma central de encontros entre amigos.
Fall Guys, Animal Crossing: New Horizons e os novos players
Para além de títulos já existentes no mercado, muitos novos jogos eletrônicos foram lançados e comercializados a partir de março de 2020. Série nascida em 2001 no mercado japonês, Animal Crossing teve sua revelação ao grande público justamente no primeiro mês da pandemia em escala global. Desde o ano anterior, seu material promocional focou na ideia de um “refúgio de férias em uma ilha”. Não é difícil conectar tal ideia a uma perspectiva de relaxamento dentro de um quadro de crise na história humana. Além disso, o jogo também conta com um bom fator de conexão online que vai desde receber seus amigos em sua ilha, até a criação de jogos e brincadeiras a partir da própria imaginação dos jogadores mediados, é claro, pelos sistemas e mecânicas do jogo. Transformou-se, rapidamente, em um fenômeno popular: reuniões e entrevistas aconteceram através do game, e um bom punhado de celebridades divulgaram estarem jogando New Horizons. Fall Guys, publicado em fevereiro de 2020, também obteve uma lépida popularização: tornou-se o título mais baixado da história do serviço PlayStation Plus, além de ter vendido 11 milhões de cópias em sua versão para PCs. Simpático e potencialmente enervante, o jogo traz uma série de desafios dignos das saudosas “Olimpíadas do Faustão” em que 60 jogadores correm, se sacaneiam e se digladiam em diferentes cenários pela coroa ao vencedor. Ao lado destes, mesmos outros lançamentos mais voltados para as campanhas de um só jogador obtiveram excelente performance de vendas. Tomemos como exemplo o vencedor do The Game Awards 2020, The Last of Us Part II, que se tornou o terceiro jogo mais vendido do ano em território estadunidense. Jogos online, para dispositivos móveis, plataformas de criação, eSports, títulos voltados para campanhas de um só jogador, serviços de assinatura de games, aparentemente grande parte da indústria dos jogos cresceu vertiginosamente durante o período, ainda inacabado, da pandemia do novo coronavírus. Saberemos melhor, no futuro, o real impacto do período, tanto do ponto de vista dos negócios, quanto das obras e, sobretudo, nas relações de trabalho. E você? Conte para gente nos comentários quais jogos você mais jogou no período.Fonte: AppAnnie, Washington Post, GamesIndustry, Unity, YouTube.