Do outro lado deste encontro temos a Bluepoint, desenvolvedora responsável por remasterizações e remakes de famosos títulos exclusivos dos consoles PlayStation: é dela Uncharted: The Nathan Drake Collection (2015) e Shadow of the Colossus (2018). A missão, desta vez, foi mostrar as possibilidades do console do ponto de vista da performance e dos visuais a partir da recriação de um título brilhante e histórico, porém conhecido por problemas em sua taxa de quadros por segundo.
Performance e novidades do remake
Além de trazer a experiência de Demon’s Souls para os 60 ou 30 fps, a versão de 2020 também serve como um mostruário visual do PlayStation 5 e, em alguma medida, também para as funcionalidades do controle DualSense. No caso deste último, a verdadeira vitrine é Astro’s Playroom — título já instalado no console e focado justamente em mostrar o novo controle. Mas mesmo aqui é possível ter retornos importantes do ambiente do jogo através da resposta do controle. Os visuais, entretanto, figuram como o ponto mais chamativo deste remake — texturas, iluminação, resolução 4K nativa (no modo cinemático), e todo o trabalho de criação dos modelos e ambientes deixam bem clara a posição de Demon’s Souls como uma conquista visual impossível nos consoles da linha PlayStation 4. Sendo assim, o título é um forte mostruário do poderio gráfico do novo hardware. Além do modo cinemático há, como de costume, o modo performance. Neste, a resolução 4K é dinâmica e alguns detalhes visuais menores se perdem, porém o jogo roda a fixos 60 quadros por segundo. Este é, sem dúvida, o modo mais indicado — é nele em que a jogatina flui melhor. Tendo os jogadores do original de PlayStation 3 em mente, não é absurdo afirmar tratar-se de uma diferença bastante significativa em como o combate e exploração se dão. A velocidade de processamento do PlayStation 5 é outro ponto de destaque, e em Demon’s Souls isso é visível através do tempo de carregamento entre sair do Nexus e chegar em uma das áreas dos mundos. É tão rápido que afeta, inclusive, o tempo esperado para se terminar o jogo. Isso acontece, todavia, aliado à fluidez no jogo concedida pela boa performance em termos de fps. Outra novidade agradável é a inclusão de um modo de foto – este funciona não apenas como um robusto modo para editar e tirar boas screenshots, mas também como uma forma de forçar o pause no jogo. Era impossível pausar no original, assim como em boa parte dos jogos da From Software, e essa possibilidade traz uma mudança de qualidade de vida importante para quem não vive em função de videogame.
O que o remake não muda?
A versão 2020 de Demon’s Souls não muda, à exceção das melhorias e atualizações apontadas acima, absolutamente nada do jogo: são os mesmos estágios, os mesmos chefes, os mesmos diálogos, a mesma IA e movimentação dos inimigos, e por aí vai. Do ponto de vista da jogabilidade é o exato mesmo jogo – com melhor performance de quadros por segundo e possibilidade de pausar, reitero. Não espere adição de inimigos ou mudança em encontros com chefes — não foi dessa vez a revisão da batalha contra o Dragon God. Não há nenhum novo mapa, o lendário e esquecido estágio da terra dos gigantes não está no remake, embora quem sabe possa ser trabalhado em futura expansão. Do ponto de vista jogável, a versão de 2020 mantém todas as características positivas e negativas do original. Mas não se preocupe, o título original é brilhante. No trato visual a coisa muda um pouco. Existem, sim, algumas revisões na direção artística do jogo. Certos inimigos e ambientes tem fotografia e modelagem diferentes. Pessoalmente eu tendo a preferir os modelos do original, talvez por relação afetiva, confesso. Os Maneaters, por exemplo, se alteram razoavelmente a partir tanto do novo modelo, quanto da iluminação da arena. De qualquer maneira, o trabalho visual e o cuidado em entregar uma experiência de ponta é o que mais se destaca ao longo de toda a campanha. Os ambientes são muito bonitos, e certos detalhes são mais fáceis de serem percebidos. A iluminação, por vezes, traz uma outra dinâmica para certos estágios. Para ser sincero, vejo com bons olhos propostas de mudança. É para isso que existem remakes, mesmo os mais fiéis como os feitos pela Bluepoint. O jogo original já existe, nada de uma nova versão apagará o sucesso e o brilhantismo de outrora. Dessa forma, o remake coloca-se como uma outra forma de experimentar a mesma jornada.
Demon’s Souls é brilhante e inventivo
Há de se argumentar que a Bluepoint Games tem trabalhado apenas com material de primeira. Shadow of the Colossus e Demon’s Souls são dois clássicos, dois dos mais importantes e impactantes videojogos da história da mídia. Refazê-los sem alterar muito só poderia resultar em ótimos lançamentos. Demon’s Souls é um jogo excepcional, e experimentá-lo novamente a partir de sua mais nova versão deixa bem claro o porquê. O título trabalha suas mecânicas, sistemas e estágios de forma competente, gerando um resultado com cara própria, posteriormente consagrado também a partir de Dark Souls (2011). O combate é cadenciado e se conecta com a exploração — é apenas conhecendo o ambiente, os inimigos e obstáculos, que o jogador pode formular sua estratégia e equipamentos para dominar completamente um trecho antes de prosseguir ao chefe. Ou quem sabe o jogador também pode sair correndo do ponto de entrada no estágio até a arena do chefão e tentar passar para a próxima parte. Ou até mesmo entrar na forma humana e invocar amigos ou desconhecidos para ajudar com os desafios. Demon’s Souls coloca mecânicas e sistemas na mesa e sabe dar possibilidades — e obstáculos — ao jogador a partir disso. Ao morrer, o personagem fica na forma de alma; perdendo 50% de seu HP (ou 75%, caso use um anel presente num nível inicial do jogo) e sendo impossibilitado de conectar-se com outros jogadores. Não será invadido, mas também não poderá pedir ajuda para ninguém. Ficar na forma humana te dá mais vida, mas cria mais risco também – afinal morrer como humano altera a tendência do mundo e possibilita que jogadores te invadam. Essa questão da tendência dos mundos e do personagem altera algumas cadeias de missões paralelas, dá acesso a novos equipamentos, e até mesmo deixa o estágio mais desafiador e desesperador caso o jogador morra muito naquele local em sua forma humana. Comentarei no próximo tópico sobre esse sistema em específico e como o remake propôs uma reedição da conexão entre a comunidade. Para além dos níveis desenhados de forma inteligente, sempre trazendo algo diferente ou único àquele local, um dos grandes trunfos de Demon’s Souls são seus chefes. Temos um grupo de confrontos mais voltados para a trocação direta de golpes ou magias, mas existem também uma série de batalhas pensadas do ponto de vista de trazer novidades ou até mesmo usar sistemas do jogo. Comentar muito sobre elas é entrar em spoilers, mas me permito ressaltar que o título brinca tanto com seus chefes, quanto com a arena em que eles se encontram. Na maioria dos momentos a coisa dá muito certo, em alguns outros nem tanto — lembremos do Dragon God mencionado no começo do texto e de como muitos jogadores apontaram esse confronto como um dos pontos baixos de Demon’s Souls. O jogo ainda dá a possibilidade de criarmos diferentes personagens. Um mago funciona de forma diferente de um guerreiro de combate corpo a corpo. As armas, por sua vez, são variadas e suas movimentações também alteram a relação entre personagem, inimigos e ambiente de forma significativa. Há uma pluralidade de formas de jogar, além de customização e criação de armas que impulsionam o jogador a experimentar e descobrir quais equipamentos ajudam em quais mapas.
Buscas de outrora, buscas de agora
Demon’s Souls é um título cheio de segredos, desafios e até mesmo sistemas que não são explicados pelo jogo. Dessa maneira, a conexão entre os jogadores para entender, decifrar e se ajudar foi essencial. Entender tanto detalhes da trama, quanto o sistema de tendência dependem razoavelmente de cooperação, de conversa e de busca de informação. Sem mudar nada de substancial no jogo no que diz respeito à mecânicas e sistemas, a Bluepoint resolve reeditar esse “senso de comunidade” a partir de uma situação inédita: uma nova porta apareceu em um dos estágios, e novos itens também começaram a cair de inimigos. Dessa forma, os jogadores que conseguiram ter acesso ao console em seus primeiros dias começaram a buscar a resolução desse segredo. Dizer qual a resolução e qual o “prêmio” é também cair em spoilers, mas é interessante ressaltar como essa singela “missão” paralela conseguiu recriar um pouco o senso de cooperação de frente a um jogo clássico do fim dos 2010.
Demon’s Souls agrada em sua nova roupagem
O remake traz Demon’s Souls para o campo do mostruário gráfico da nova máquina da Sony. Embora algumas decisões do ponto de vista da direção artística possam desagradar, o esmero visual é visível e o título está muito bonito. Do ponto de vista da jogabilidade, trata-se do mesmo jogo com melhorias e atualizações como os desejados 60 quadros por segundo, modo de fotografia – e consequente forma de pausar, e tempo de carregamento irrisório. É, sobretudo, o mesmo brilhante e clássico Demon’s Souls, com seus estágios desafiadores, sua proposta de compreensão do ambiente e dos obstáculos sendo resolvidos pelo jogador a partir de customizações e builds. Continua excelente em relação ao trabalho sonoro, e sobretudo quando pensamos em seus inteligentes e inovadores sistemas. Traz, ainda, batalhas empolgantes e inventivas contra chefes.