Resident Evil 0 (ou, se preferir, Resident Evil Zero) foi originalmente idealizado como um prólogo para o primeiro jogo da série, o influente clássico Resident Evil — que também está chegando ao Nintendo Switch com seu memorável remake. A jornada pela sobrevivência desta vez é contada pelas mãos da Oficial Rebecca Chambers e de uma companhia um tanto indesejada: o perigoso foragido Billy Coen.

Uma noite que preferimos esquecer

Apesar da chuva, tudo parecia sob controle na noite de 23 de julho de 1998. No interior do Ecliptic Express, trem que transportava passageiros pelos arredores das Montanhas Arklay, apenas conversas e celebrações ecoavam pelas cabines e corredores — até que o inesperado aconteceu: um enxame de sanguessugas mutantes depredou as janelas da locomotiva e atacou os passageiros. Não muito distante dali, uma cautelosa operação de transporte penitenciário também foi interrompida pelas estranhas criaturas, causando a morte de praticamente todos os envolvidos. Sob os escombros, porém, a equipe Bravo identificou um dos sobreviventes: Billy Coen. Segundo o chefe da equipe, o ex-militar condenado por assassinar civis inocentes no passado planejou e executou sua própria fuga, tornando-se uma ameaça pública novamente. Motivada pelos trágicos eventos simultâneos, a médica da equipe Rebecca Chambers aventura-se rumo ao misterioso trem. Ela já sabia que corria perigo, ainda mais em sua primeira investigação como oficial, mas também se sentia confiante com suas habilidades. O que ela não sabia é que o caso iria muito além do seu controle.

Resident Evil 0 e os moldes clássicos

Apesar de Resident Evil 0 ter sido originalmente lançado em 2002 — durante a geração do GameCube —, é na trilogia clássica do PlayStation que ele mais se inspira. Isso é, ao mesmo tempo, sua maior qualidade e seu maior defeito como jogo. A perspectiva de câmera fixa, proposta na trilogia clássica da série por conta das limitações no hardware da época, garante certo grau de imprevisibilidade e surpresa enquanto exploramos salas pela primeira vez. Uma das vantagens do relançamento de 2015 para os consoles dessa geração está na ligeira angulação da câmera realizada enquanto nos movimentamos por ambientes de maior profundidade, passando a sensação de alguém nos observando através das lentes. Assim como fizeram seus antecessores da série numerada, RE0 trazia uma movimentação mais truncada em sua primeira versão graças aos tank controls (relativos à posição do personagem e não à perspectiva da câmera). A opção de controles alternados foi implementada em Resident Evil Archives, “dobradinha” de terror contendo Resident Evil e Resident Evil 0 lançada para o Wii em 2009.

Terror em dose dupla

Ao falar da jogabilidade de Resident Evil 0, devemos ter em mente que ele é, em sua essência, um jogo single player, mas isso não o impede de funcionar como uma interessante experiência cooperativa local. Esse é um exercício que exige um pouco de abstração por parte do jogador, mas que pessoalmente acredito funcionar muito bem. Logo nos primeiros minutos de jogo, Rebecca percebe que lutar sozinha contra as hostis criaturas é arriscado demais, decidindo-se juntar (mesmo que contra sua própria vontade) ao foragido Billy. Durante grande parte da história, temos a liberdade de controlar quem quisermos — seja pelas habilidades individuais ou pelo status de cada um. Em certos momentos da narrativa, porém, o jogo deliberadamente fixa o controle em apenas um personagem. É por meio da dinâmica de troca entre personagens, mesmo que com apenas um controle do lado de cá da tela, que emerge a possibilidade de dividir seu tempo com alguém que também se interessa pelo título. Valorizo bastante esse tipo de experiência justamente por ter um irmão mais novo que sempre me acompanhou nas madrugadas assustadoras embaladas pela série.

Onde reside o mal

Como videogames são tanto expressão criativa quanto produto de tecnologia, é geralmente comum encontrar obstáculos para trazer um jogo duas “gerações” mais velho para a época vigente. Os ambientes em Resident Evil 0, porém, foram criados com um nível de detalhes impressionantes para a época do GameCube, tornando o trabalho dos responsáveis pela remasterização um pouco menos desafiador. A parte criativa do jogo, porém, tem seu lado positivo e negativo. Ao mesmo tempo em que muitos ambientes são autênticos e distintos o suficiente para nos causar uma impressão de vastidão, muitas ideias de temática, design de inimigos e ideias de quebra-cabeças são fortemente influenciados pela trilogia clássica. Sinto falta de haver algo realmente memorável na experiência que tive com Resident Evil 0 quando o joguei pela primeira vez em 2015, mas também não acho que todo título de Resident Evil precisa ser revolucionário. Foi apenas com Resident Evil 4 que a franquia de terror finalmente inaugurou uma revolução dentro da indústria — mesmo que isso tenha custado um distanciamento das diretrizes e convenções do survival horror clássica.

Versão definitiva?

O sucesso inquestionável do remake de Resident Evil 2 e as vendas satisfatórias da coleção Revelations no Switch abriram os olhos para três novas oportunidades: lançar as versões mais recentes de Resident Evil, Resident Evil 0 e Resident Evil 4 no console nintendista. Aliás, essa é a primeira vez que RE0 chega em uma console portátil. Em questão de conteúdo, nada mudou desde a remasterização de 2015. Infelizmente, alguns modos de jogo da versão de Wii — que davam opções de controle por movimento — não foram incluídos na ocasião. O desempenho, porém, é o que mais incomoda: as quedas de framerate não são tão comuns, mas o tempo de carregamento entre telas é impraticável em quase toda transição entre salas, inviabilizando uma experiência mais contínua e imersiva. Se você é fã da série e já tem Resident Evil 0 em outra plataforma, creio que não haja necessidade de reviver a experiência só pelo fator portabilidade — ainda mais pelo preço de 30 dólares americanos. Caso você ainda não conheça os mistérios desse clássico do survival horror, essa parece uma versão competente o suficiente para ser apreciada em pequenas doses. Cópia digital para análise gentilmente cedida pela Capcom-Unity Brasil.

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