Desenvolvido pela Obsidian, empresa responsável por títulos respeitáveis como Fallout: New Vegas, South Park: The Stick of Truth, Pillars of Eternity e The Outer Worlds, Tyranny segue a fórmula isométrica de outros jogos do gênero, como Baldur’s Gate, Divinity: Original Sin e os primeiros títulos da franquia Fallout. Um RPG isométrico, para quem não está acostumado à nomenclatura, é aquele em que o jogador observa a ação ocorrida de um ponto superior, quase na diagonal – o recurso foi muito usado em títulos dos anos 90 para deixar um jogo 2D com aspecto de 3D. De qualquer modo, Tyranny é um jogo sobre escolhas. E sim, sei que isso é dito constantemente, mas, aqui, essas escolhas são um pouco mais complicadas, dado que você serve como uma espécie de juiz (ou Fatebinder, que é o nome oficial) de um imperador maligno. Isso significa que, muitas vezes, as escolhas que você acha corretas porque, bom, são sensatas e benéficas, não são as melhores. É um ótimo jeito de fugir do padrão, não? Feitas as apresentações preliminares, o primeiro ponto a ser tratado é o dos gráficos. Por algum motivo, os comandos de captura do Windows não tiraram prints da tela de jeito nenhum, então as imagens daqui serão as oficiais fornecidas pelo site da Paradox, que publicou o game. Adianto também que um dos principais defeitos, ao menos para o público brasileiro, é o fato do jogo não ter tradução para português. Dito isso, conheça um pouco mais sobre Tyranny lendo o review que segue.

O mundo de Tyranny é um mundo devastado

Antes mesmo de iniciar o jogo de fato, logo após a construção mais clássica da personagem – que, por sua vez, é muito interessante, mesclando elementos de história de vida e outros mais tradicionais de escolha de atributos -, é dada ao jogador a opção de definir o que a personagem fez na guerra que precede os eventos do RPG, chamada de Conquista. Muito do que você faz ali, apesar de não parecer, vai ter vários impactos em interações com outras personagens e na sua reputação como um todo. O mais legal é que essa seção do jogo é feita como se você estivesse num jogo de tabuleiro; um detalhe simples, mas muito bem vindo. Tudo isso é ressaltado pela qualidade espetacular dos cenários que, mesmo em computadores com capacidade gráfica mais baixa (como é o caso da máquina de quem vos fala), ressoam com fidelidade a destruição do mundo. Ah, esse mundo se chama Terratus e, temporalmente falando, está na transição da Idade do Bronze para a Idade do Ferro, com criaturas mágicas e poderes fantasiosos comuns ao gênero. As personagens, em sua maioria, possuem um design bonito e bem feito, seja no modelo 3D ou na foto que ilustra a ficha do personagem. Durante a gameplay, há a opção de desabilitar o aparecimento do capacete, o que é ótimo, considerando que dificilmente um capacete dali vai se adequar ao resto da roupa/armadura. Não há uma variedade tão grande de equipamentos, mas, o que há, é bem desenhado. Um detalhe estético que me atrai muito em jogos em que há necessidade de criar personagens é a criação do emblema usado pela equipe. Isso, por si só, costuma indicar que o jogador poderá criar sua própria facção a partir de determinado momento e, em Tyranny, é exatamente isso que acontece. Não à toa, os emblemas são até mais memoráveis que as facções em si — elas que são, por sua vez, representadas por cores sólidas, como vermelho, preto, roxo e dourado. De modo geral, é um belo jogo, mesmo para os padrões um pouco menos exigentes dos RPG’s isométricos. Divinity: Original Sin, que é um jogo recente, também é bonito e possui cenários bem feitos, mas estes não são tão originais quanto o deserto rochoso de espadas ou a biblioteca flamejante de Tyranny.

Jogabilidade típica de RPG’s do gênero

Entrar em batalhas, desarmar armadilhas, encontrar feitiços e afins são atividades que rendem experiência à personagem. Além dessas, que são as mais comuns em outros jogos, o diálogo também garante XP ao jogador, dado que muitas situações podem ser evitadas (ou causadas) por meio da conversa, desde o rendimento de uma cidade até a destruição completa dela no mapa. E, tenha certeza, o jogo não vai facilitar nenhuma escolha. Como todo bom RPG, Tyranny vai possibilitar ao jogador escolher algumas companhias de viagem – 4, no total, o resto vai para a base. Tal qual todas as outras personagens, elas também pertenciam a determinadas organizações, o que, além da personalidade própria de cada uma, faz com que elas reajam de maneira bem diferente entre si sobre seus comentários e ações, podendo, inclusive, te deixar ou querer batalhar contra você. Ainda sobre esses companheiros, há duas barras que mudam conforme o que você faz e decide: a de lealdade e a de medo. Ambas garantem duas habilidades, uma passiva e uma ativa, esta que normalmente é feita em combo (ou seja, a personagem principal e o parceiro realizam um ataque ou um feitiço juntos). Além das técnicas, elas são responsáveis por ditar as respostas dos membros da equipe não só para você, mas entre eles também. Por exemplo, se você escolher torturar um soldado inimigo até a morte, certa companhia vai ganhar lealdade e louvar seus atos, enquanto outra vai implorar para que você pare e terá mais medo de você. Esse sistema funciona também com facções, com a diferença de que, ao invés de medo, a barra tem o nome de ira (wrath, em inglês). A parte interessante aqui é que você já começa o jogo com alguns pontos nas barras das facções, que foram definidos de acordo com as suas escolhas na parte da Conquista. Uma mudança curiosa é que o jogador pode montar magias a partir de fragmentos encontrados em Terratus. Há um núcleo, que dita o tipo da magia (fogo, raio, confusão, teleporte etc), o tipo de aparência ou uso (se vai ser uma bola de energia de longa distância ou um toque) e um ou mais adicionais, que amplificam os poderes mágicos (mais dano, menor tempo de recarga, maior alcance), mas aumentam o número de pontos necessários em Lore para usá-los. Quanto aos atributos, eles não são muito diferentes daquilo que jogadores de RPG estão acostumados. Seguindo à risca os modelos mais antigos, eles são maximizados nos 20 pontos, cada qual determinando a proficiência da personagem em certos aspectos: Sabedoria para as mágicas, Manha para ataques à distância e furtividade e por aí vai. Relacionados a eles estão as habilidades, que envolvem combate com armas de uma ou duas mãos, combate com duas armas, controle da natureza e afins. É possível treinar essas habilidades com NPC’s específicas do mundo de Tyranny para ter um time bem versátil. Cada vez que você ou uma personagem do time evolui, um ponto de atributo e um ponto de skill é recebido. As skills, ao contrário do padrão divisório por classes, dependem da criação da personagem. Decidi fazer algo diferente do que costumo em outros RPG’s (sempre escolho o ladino) e fiz um guerreiro que luta com lança, escudo e pode arremessar azagaias (lanças de arremesso). As skills, assim, foram definidas como as de liderança (por ter background militar), arremesso (pela escolha da azagaia), proteção (por ter background militar) e agilidade (pela escolha da lança). As escolhas de parceiros para a party acabam dependendo muito de como você cria a personagem principal – no meu caso, escolhi o Barik, um soldado disciplinado de armadura que servia como tank do time; Verse, uma lutadora selvagem que usava duas adagas e um arco para o dano; e Lantry, um sábio que dava bônus para as habilidades das personagens, além de curas. Cabe ao jogador decidir quais técnicas os companheiros utilizarão. Por último, há as torres espirais, chamadas de Pináculos, que acabam se tornando bases para o jogador. São cinco no total e, além de constituírem locais onde é possível recrutar professores para as técnicas, ferreiros para melhorar armaduras e outras personagens de auxílio, elas representam uma parte importante da história. Antes que me esqueça, elas são úteis para viajar pelo mapa, também – cada viagem feita leva alguns dias e, a depender da missão, esse contador é importante. Os únicos problemas que tive foram com a inteligência artificial dos companheiros da equipe e com o rastreador de missões. Por vezes, os NPC’s do grupo, no meio do combate, me deixavam preso num canto ou não obedeciam aos comandos. Por se tratar de um RPG isométrico, Tyranny dá a opção de pausar a batalha e ditar as ordens para as personagens a fim de montar uma estratégia melhor, o que é um pouco complicado de se fazer quando elas não obedecem. Já sobre o rastreador das quests, tudo indica que esse é um problema recorrente no time da Obsidian, já que praticamente todos os jogos que joguei deles tiveram o mesmo problema. O rastreador é confuso, mostra várias informações ao mesmo tempo e não é nem um pouco intuitivo, muito pelo contrário. Talvez cause um pouco de dor de cabeça para jogadores inexperientes.

História densa e impactante

A história de Tyranny é bem interessante e parte de uma premissa pouco usada por desenvolvedores e roteiristas de games. Não há mal a ser derrotado – ao menos não de imediato -, dado que ele praticamente já venceu. O mundo de Terratus está nas mãos de Kyros, um soberano desconhecido cujo poder é tão grande que apenas um punhado de pessoas consegue desafiá-lo. O problema é que todas essas pessoas estão do lado dele, incluindo você. Uso o masculino aqui por mera formalidade, dado que não se sabe o gênero (ou qualquer coisa) sobre a entidade. Como mencionei logo no início do texto, o jogador assume o controle de um Fatebinder, que é uma espécie de juiz de Kyros que possui a tarefa de aplicar a lei em todos os territórios conquistados. Desnecessário dizer que isso é, no mínimo, muito difícil. Como um membro desse grupo, você responde somente a uma pessoa, chamada de Tunon, que atua como o magistrado da justiça (Archon of Justice, em inglês). São vários magistrados, cada qual com um título que diz respeito ao seu “poder especial”, digamos assim – eles são o punhado de gente que conseguiria, em tese, desafiar Kyros. Dentre esses magistrados, além de Tunon, dois são de extrema importância: Graven Ashe, magistrado da guerra e líder dos Desfavorecidos, e As Vozes de Nerat, magistrado dos segredos e líder do Coro Escarlate. Numa analogia à Game of Thrones, eles equivalem mais ou menos ao Jaime Lannister como comandante do exército e ao Varys, mestre dos segredos. A diferença é que o Varys tem uma cabeça e não uma forma espectral esquisita que engloba várias máscaras-espírito (sim). Bom, sem nem saber direito o que fazer, você é jogado diretamente num território inimigo e no meio dos dois magistrados referidos acima. Eles já estavam no aguardo da sua chegada por um motivo: os juízes são capazes de declarar decretos especiais cuja origem é incerta, mas que, ao serem lidos, causam grandes danos de diferentes espécies na região. Na Conquista, você, por exemplo, declarou o Decreto das Tempestades, que praticamente destruiu uma região inteira e matou muita gente, aliado ou inimigo. Normalmente os decretos são declarados sob circunstâncias difíceis, em que a derrota das forças de Kyrios, uma rebelião ou uma afronta grave às leis é certa. São poucos os que conseguem declarar um deles, e menos ainda os que vivem para vê-los resolvidos. Nem preciso dizer que esse é um dos motores da narrativa, presente desde o início. Também não preciso dizer que, por você ser uma espécie de juiz do próprio Deus, todos vão tentar ou te manipular ou te usar de uma forma ou de outra. A parte mais forte do jogo é a história, disso não há dúvidas. Caso você queira aproveitar Tyranny em sua completude, não deixe de ler todos os diálogos, conversar com os parceiros, perguntar coisas para outros personagens, fazer as quests secundárias e dar uma olhada nos diários. É um mundo abrangente e muito curioso, principalmente porque, nesse cenário, o mal venceu. Cabe a você decidir como jogar com essa premissa – se você vai perpetuá-lo, como dita sua missão, ou se você vai enfrentá-lo, seja por dentro ou em rebelião aberta. Na primeira vez, me aliei aos Desfavorecidos e procurei desmantelar todas as organizações por dentro, sem sair da lei. Depois de ter conquistado favor suficiente com todas as regiões e com a maioria das facções — com exceção das abertamente rebeldes, que precisei esmagar para selar minha “lealdade” — consegui reverter o domínio de Kyros, dentro do possível, e seguir minha própria agenda. O jogo te dá bastante liberdade nesse sentido, oferecendo, inclusive, diversas possibilidades ao longo da história para tomar um caminho ou outro. Já a parte das escolhas é especialmente desafiadora porque Tyranny faz questão de arremessar na sua cara quais são os conceitos daquele universo. Duas decisões pesaram bastante para mim — não vou comentar de modo específico quais foram para evitar spoilers, mas uma envolvia um bebê e a outra um crime hediondo cometido contra uma moça que, por fazer parte de um assentamento rebelde, não era protegida pela justiça. Enfim, são decisões que parecem simples para nós, que estamos numa realidade tão distante e diferente, mas que, se colocadas em perspectiva atemporal, acabam se transformando em questionamentos próximos até demais. Por meio disso que a Obsidian acerta bastante no decorrer da história, fazendo (ou tentando) o jogador compreender tudo antes de tomar várias decisões. O problema nisso tudo é que o final não atende às expectativas. A história é tão grandiosa e tão boa, seja a principal ou a dos seus parceiros (como o dilema do Barik ou o desejo de vingança da Verse) que o final parece besta perto de como tudo se desenrolou. Meio que acaba muito rápido. Não sei se isso ocorreu somente nos dois finais que fiz e, por isso, tive azar, mas senti falta de um desenvolvimento mais contundente na metade final de Tyranny, principalmente ao levar em conta toda a maquinação política presente nos primeiros atos. Alguns podem achar que esse final tira todo o crédito da história, mas não sou dessa opinião. Houve decisões ali que me fizeram parar o jogo, levantar e tomar um ar – não porque elas fossem teoricamente complexas, mas justamente porque eu sabia o que fazer e sabia as consequências daquilo. Nessas horas, agradeci por ter que tomar aquele tipo de atitude num jogo virtual, não na vida real. E é esse tipo de coisa que torna Tyranny um jogo bastante memorável.

Conclusão

Aos fãs de RPG’s isométricos, Tyranny é uma joia rara que não recebeu a devida atenção em seu lançamento. Por possuir algumas mecânicas densas, pode ser que ele não seja o mais indicado para jogadores novatos no gênero – mas, caso a história pareça interessante, há um modo de jogo mais simples que permite ao jogador aproveitar a história sem muitos problemas na hora do combate. Os gráficos não são espetaculares, mas também não decepcionam. Eles, inclusive, representam muito bem a originalidade do jogo como um todo, seja no design das personagens ou nos cenários. Cabe adicionar também um breve comentário sobre a trilha sonora, que não fede nem cheira; a música do menu inicial é mais emblemática do que qualquer outra dentro do jogo em si. Ainda que finalizado de uma maneira não muito satisfatória, o ponto forte de Tyranny é a história. Seja ao lado dos disciplinados Desfavorecidos, que prezam pela qualidade ao invés da quantidade, dos selvagens do Coro Escarlate, onde o mais forte sobe na hierarquia e o mais fraco morre, ou dos rebeldes da Guarda de Vendrien, dos Não Quebrados e de tantos outros, você terá que tomar muitas decisões difíceis que impactarão toda a narrativa. Se você pegou o jogo num impulso semanal de anseio por produtos gratuitos, não deixe de jogá-lo um dia, vale a pena, nem que seja para conhecer. Não deixe de acompanhar a seção de reviews do site para mais jogos relativamente desconhecidos ofertados pela Epic Games Store. Caso queira adquirir o jogo por R$ 57, acesse o site oficial da Paradox, publisher de Tyranny.

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